Responsável pelo aumento de casos de Covid-19 ao redor do mundo durante o mês de março — especialmente em países da Europa e na China —, a linhagem BA.2 da cepa Ômicron do coronavírus ainda não causou impactos na rede de saúde brasileira.
Informações reunidas no Gsaid (plataforma científica e global que fornece dados genômicos sobre o vírus influenza e o Sars-CoV-2) apontam que, no mês de março, 99,7% das amostras incluídas no sistema correspondiam à variante Ômicron.
Casos de BA.2 notificados na rede já ultrapassaram os registros de BA.1, a mutação original da Ômicron. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), até o fim de março, a linhagem era a predominante na maior parte do mundo, presente em 85,96% das sequências de Ômicron inseridas na Gsaid.
É preciso se preocupar com a BA.B2?
Desde 2021, a OMS atribui nomenclaturas para as principais variantes da Covid-19, de acordo com o grau de risco. A Ômicron é classificada pela organização como Variante de Preocupação (VOC), por causar aumento do contágio e diminuição da eficácia das vacinas.
Também existe a Variante de Interesse (VOI), caracterizada por possuir mutações que alteram o fenótipo do vírus em comparação à variante original (Wuhan). A OMS leva em conta ainda se a cepa causou transmissão comunitária, ou se foi detectada em vários países.
Em comunicado divulgado na quarta-feira (6/4), a diretora da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), Carissa Etienne, pediu que países das Américas fiquem “vigilantes”.
“Mesmo que os casos de Covid e as mortes tenham diminuído em grande parte da região, os países notificaram mais de 62 mil contaminações a cada semana. E, em algumas partes da América do Norte e do Caribe, onde a Ômicron está se convertendo na variante predominante, as novas infecções estão começando a aumentar”, ressalta o comunicado.
Segundo a Opas, a linhagem representa 8,7% dos casos sequenciados na América do Sul. “Vimos como a dinâmica da infecção na Europa se reflete aqui apenas uma semana depois. Não podemos ignorar os riscos de novos picos de Covid”, disse Etienne.
Vigilância
Em entrevista ao Metrópoles, a virologista Paola Cristina Resende explicou que a baixa predominância da BA.2 no Brasil, em comparação com outros países do mundo, pode ser motivada pelas características epidemiológicas de cada região.
A especialista é pesquisadora do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz e coordenadora da curadoria da plataforma Gisaid no Brasil.
“São vários fatores somados, como o status imunológico da população de cada região. Dentro do Brasil, a dinâmica também é distinta. A BA.2 não está sendo tão detectada no Norte do país, por exemplo. Isso vai sendo muito relacionado à memória imunológica da população e ao histórico de variantes que atingiram aquele grupo”, pontuou.
Paola lembrou do surgimento da variante Alfa no Reino Unido, durante o ano de 2021. Ela conta que a linhagem não afetou tanto o Brasil, porque, no mesmo período, o país sofria os impactos da mutação P.1, também chamada de variante Gama, que surgiu no Amazonas.
“A gente já tinha sido altamente atingido pela Gama. Em outros países, ela não foi tão predominante. Quando a Delta chegou, por exemplo, a gente já tinha a vacinação e uma infecção prévia por outra variante, e o impacto não foi tão intenso”, exemplifica.
A virologista ressalta a importância de dar continuidade à vigilância genômica e ao monitoramento de pacientes infectados com linhagens de preocupação. Como exemplo, ela cita o acompanhamento do primeiro registro da variante XE no Brasil, detectado em São Paulo nesta semana.
“No caso do paciente de São Paulo, foi necessário realizar todo um monitoramento, inclusive dos contactantes, para avaliar o desfecho clínico. Estamos trabalhando para que essa vigilância constante continue”, conclui.
Como evitar novos picos?
Ao Metrópoles o epidemiologista Mauro Niskier Sanchez, professor da Universidade de Brasília (UnB) explica que, caso haja aumento significativo de infecções pela BA.2 no Brasil, o impacto na rede hospitalar não deve ser tão elevado, devido aos índices de cobertura vacinal. Os mais recentes dados publicados pelas secretarias de saúde apontam que 75,2% da população brasileira recebeu duas doses ou dose única de imunizantes.
No entanto, apenas 37,5% dos brasileiros receberam a dose de reforço, essencial para evitar o contágio pela variante Ômicron, que escapa parcialmente da proteção oferecida pelo esquema primário das vacinas (duas doses ou dose única).
“Essa proteção que é garantida pela vacina tem um tempo de validade. Depois de algum tempo, ela começa a decair e, por isso, foi recomendada a dose de reforço. O esquema vacinal primário que a gente tomou, com dose única ou duas doses, essa proteção já não é tão importante mais. Apesar dessa perspectiva não tão ruim em relação à BA.2, a gente não pode relaxar para continuar a estimular que as pessoas tenham a dose de reforço”, destaca Sanchez.
O cuidado em relação ao protocolo sanitário também é importante, segundo o epidemiologista. “Com as medidas relaxadas, as pessoas baixaram um pouco a guarda. Sobre uso da máscaras em lugares fechados, a comunidade cientifica não tem dúvida de que não é para tirar. Em local aberto ou de transmissão pequena, a gente consegue, com distanciamento, tirar a máscara. Mas não pode ter aglomeração, adensamento. As medidas de proteção individual e coletiva devem ser mantidas e a dose de reforço deve ser enfatizada, para que a gente não tenha um problema com essa potencial nova onda de casos”, conclui.
A reportagem do Metrópoles procurou o Ministério da Saúde para pedir esclarecimentos sobre a identificação e o monitoramento de novas variantes da Covid-19 no Brasil, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. O espaço segue aberto.
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