Quando subiu ao palco para receber o diploma de medicina, Juliana Julien Borges mal conseguiu conter as lágrimas. À frente da plateia, os dois filhos mais velhos, também médicos, esperavam para entregar o certificado que simbolizava não apenas uma conquista profissional, mas uma história de persistência, coragem e recomeço. “Foram meus filhos que me diplomaram. Foi o momento mais emocionante da minha vida”, conta.
Juliana, que aos 53 anos concluiu o curso de medicina na Universidade de Rio Verde (GO), viveu o que muitos chamariam de impossível: retomou os estudos depois dos 40, conciliou o sonho antigo com a rotina de mãe e venceu o preconceito da idade.
Um sonho guardado por décadas
Nascida em Bom Jesus do Itabapoana, no interior do Rio de Janeiro, Juliana cresceu dizendo que seria médica. “Eu brincava de hospital e cuidava das pessoas de mentira. Desde pequena, sentia que essa era minha vocação”, lembra. Mas a realidade financeira da família não permitiu.
Sem conseguir uma vaga em universidades públicas e sem recursos para arcar com a mensalidade de uma particular, ela deixou o sonho de lado — ao menos por um tempo. “Tentei o vestibular por três anos. Chegou uma hora em que eu estava cansada. Todos os meus amigos já estavam na faculdade e eu ainda insistindo.”
A escolha seguinte foi seguir outro caminho. Formou-se em farmácia e bioquímica pela Universidade Federal de Juiz de Fora e, logo depois, em direito. “Fui muito feliz nas duas áreas, mas a medicina sempre esteve guardada aqui dentro”, diz.
Entre filhos, carreira e o sonho que insistia em ficar
Depois da faculdade, Juliana se casou com Wallace, médico, e juntos construíram uma família. Vieram quatro filhos — Antônio (28), Pedro (25) e os gêmeos João e Vitor (22) — e a vida seguiu o curso natural: trabalho, casa, rotina, compromissos.
Mesmo assim, a chama da medicina não se apagou. “Eu via meu marido e meus filhos estudando e pensava: ainda quero isso para mim”, lembra. Tentou o Enem algumas vezes, sem sucesso, e chegou a pensar que o tempo havia passado. “Desisti. Achei que não era mais para mim. Mas o sonho, quando é verdadeiro, não some. Ele só espera o momento certo.”
O recomeço: o projeto “med depois dos 40”
Em 2018, Juliana tomou uma das decisões mais ousadas da vida. “Eu sentei com meus filhos gêmeos, que estavam no ensino médio, e propus que estudássemos juntos. Começamos o que eu chamo de projeto med depois dos 40.”
Sem cursinho, estudou em casa com as apostilas dos filhos e uma rotina intensa de revisão. “Eles me ajudavam muito, tiravam dúvidas, faziam questões comigo. Foi uma parceria linda.”
No início de 2019, veio o resultado: aprovada para medicina na Universidade de Rio Verde, em Formosa (GO). “Quando vi meu nome na lista, chorei. Era a prova de que nunca é tarde para recomeçar.”
Vergonha, etarismo e a força de quem não desistiu
O início da jornada foi repleto de inseguranças. “Tinha vergonha de prestar vestibular. Coloquei touca e casaco com capuz para ninguém me reconhecer. Estava lá com os filhos das minhas amigas, já com dois filhos na faculdade”, conta, rindo.
Nos primeiros meses, o medo de não se encaixar a acompanhava. “Sentava no fundo da sala, quieta, achando que não ia dar conta. Mas logo percebi que a maturidade era minha vantagem. Eu tinha foco, paciência e empatia.”
Os comentários preconceituosos também apareceram. “Ouvi de colegas: ‘Para que estudar com essa idade?’ ou ‘Você devia estar aposentada’. Aprendi a rir. Já tinha vivido o suficiente para saber que o julgamento dos outros não paga minhas contas nem realiza meus sonhos.”
A rotina dupla e o cansaço que valia a pena
Morando em Brasília, Juliana enfrentava duas horas diárias de deslocamento até a faculdade em Formosa. “Ia e voltava todos os dias. Tinha noites em que eu dormia com o livro no colo. Mas cada aula era um presente.”
Com o tempo, ela percebeu que estudar medicina na maturidade trouxe um novo olhar sobre a profissão. “Eu via o paciente com mais compaixão. A maturidade traz leveza, paciência e empatia. Acho que estudei no momento certo da vida.”
O dia em que o sonho se tornou real
Após seis anos de curso, em dezembro de 2024, Juliana realizou o sonho de vestir o jaleco branco com o nome bordado e o diploma nas mãos. “Foi lindo ver meus filhos, agora médicos, me entregando o diploma. Geralmente são os pais que fazem isso, mas comigo foi o contrário. Um ciclo que se completou.”
Hoje, Juliana é professora de Psiquiatria na mesma universidade onde se formou e faz pós-graduação na Santa Casa de São Paulo. Além disso, atua como voluntária em um projeto de saúde mental ligado à Igreja São Pio, em Brasília. “Não parei de estudar. A vida é movimento. Ainda quero fazer residência, mas vou no meu tempo.”
“O que envelhece é o medo, não o sonho”
Nas redes sociais, onde compartilha sua trajetória, Juliana inspira mulheres de todas as idades. “Recebo mensagens de mulheres de 40, 50, 60 anos dizendo que voltaram a estudar depois de conhecer minha história. Isso me emociona profundamente.”
Ela faz questão de reforçar o recado: “Os anos vão passar de qualquer jeito, estudando ou não. Se você tem um sonho, vai lá e faz. O que envelhece é o medo, não o sonho.”
Com o jaleco branco no corpo e o brilho nos olhos de quem nunca desistiu, Juliana Borges prova, todos os dias, que recomeçar é um ato de coragem — e que nunca é tarde para se tornar quem sempre se quis ser.
Metrópoles























