Ari Carmo dos Santos (DEM), prefeito de Ribeira, no interior de São Paulo, foi afastado do cargo pelo prazo de 90 dias por determinação da Justiça. A decisão, de 16 de setembro, se baseou em um pedido do Ministério Público do Estado (MPSP), que acusa ele e a vice-prefeita do município, Juliana Maria Teixeira da Costa, de improbidade administrativa.
Ela está afastada desde o início de agosto, também por ordem judicial, acusada de usar dinheiro público para pagar uma amarração amorosa.
De acordo com a decisão que tirou provisoriamente o cargo do prefeito, mesmo após o afastamento de Juliana, Ari manteve as irregularidades apontadas pelo MPSP.
“Deveria, sim, ter realizado uma ampla apuração nas contas e contratos da Secretaria de Saúde, buscando dados sobre os processos de contratação direta que deveriam ter sido feitos pela pasta ao invés de, sem qualquer base legal, realizar o pagamento irrestrito aos fornecedores”, apontou o magistrado, que chamou de “cegueira deliberada” a conduta adotada pelo prefeito.
Para o juiz, “o afastamento cautelar, embora medida excepcional, mostra-se imprescindível diante da demonstração concreta de que todos os mecanismos de controle (fiscalização do Ministério Público, controle interno, transparência obrigatória, sanções legais e própria decisão judicial) mostraram-se insuficientes para coibir novas irregularidades”.
Além do afastamento pelo prazo de 90 dias, Ari fica impedido de acessar e frequentar as dependências da prefeitura, bem como das secretarias e demais departamentos públicos de Ribeira. Sem o prefeito e a vice-prefeita no cargo, quem assume a gestão municipal é o presidente da Câmara, Vicente Amâncio Ribeiro (MDB).
A reportagem procurou a Prefeitura de Ribeira e a defesa de Ari para comentar o caso, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.
Vice-prefeita pagou “amarração amorosa” com verba pública
- De acordo com o MPSP, Juliana, que além de vice-prefeita era também secretária de Saúde de Ribeira, contratou um serviço de “casamento espiritual” para que o servidor Lauro Olegário Da Silva Filho, que é casado, mantivesse um um relacionamento amoroso extraconjugal com ela.
- A W. F. Da Silva Treinamentos Ltda., que tem contratos com o município, teria recebido R$ 41,2 mil da prefeitura, e, posteriormente, feito um repasse do mesmo valor a uma vidente.
- O caso foi descoberto após um vereador da cidade, Dirceu Benedito, ter visto dois comprovantes de pagamento publicados no perfil do Instagram “Mentora Samantha”, que prestou serviço espiritual à política.
- O primeiro comprovante, de R$ 6 mil, estava no nome da vice-prefeita, mas o segundo, de R$ 41,2 mil, era nominal à empresa.
- O MPSP ainda apontou outros indícios que a W. F. Da Silva Treinamentos Ltda. estaria sendo usada para desvio de recursos públicos da saúde da cidade.
- Lauro, que é coordenador municipal de Saúde e ex-funcionário da W.F., e Willian Felipe da Silva, proprietário da empresa, também são acusados de participar do esquema.
- Os três, incluindo a vice-prefeita, foram denunciados pelo Ministério Público. Juliana e Lauro foram afastados de suas funções públicas em 4 de agosto, a pedido do órgão ministerial.
- De acordo com a mentora Samantha, responsável pelo trabalho espiritual, foram desembolsados R$ 380 mil para a “amarração”. Desse total, ela teria recebido pouco mais de R$ 40 mil para não expor a fonte do dinheiro.
- A mãe de santo acusa Juliana de “calote”, já que não teria recebido o valor restante pelo trabalho. A defesa da política nega as acusações (veja mais abaixo).
Adolescente de 17 anos é contratada como funcionária fantasma
A investigação sobre a “amarração amorosa” levou o MPSP a descobrir uma série de outras inconsistências envolvendo a Prefeitura de Ribeira. Ari é acusado, por exemplo, de contratar uma funcionária fantasma, filha do então secretário da Saúde do município, dentre outras irregularidades.
De acordo com a denúncia do MPSP, Maria Selma Figueiredo de Oliveira foi contratada, sem licitação e sem concurso público, em maio do ano passado, quando tinha 17 anos de idade, para trabalhar como técnica de informática na Unidade Básica de Saúde (UBS) do município. A jovem revelou, em depoimento à promotoria, que não possui qualificação para desempenhar o cargo.
Ela é filha de Jorge de Oliveira, servidor público efetivo do município de Ribeira, lotado na Secretaria municipal de Saúde. Jorge assumiu a chefia da pasta de forma provisória naquele maio, durante o breve afastamento de Juliana da função – que, além de vice-prefeita, é secretária da cidade.
Maria Selma recebeu remuneração mensal de R$ 2.500 entre maio de 2024 e maio de 2025, mas nunca trabalhou na função para a qual foi designada. A investigação do MPSP apontou que pelo menos quatro funcionários da UBS nunca viram a jovem trabalhar ali.
Outra funcionária apresentou uma versão contraditória quando questionada sobre o caso, mas depois admitiu que Maria Selma “não prestava efetivamente serviços técnicos de informática no local, mas apenas ajudava algumas vezes com digitalização e digitação de documentos”, diz a denúncia.
Já a diretora da unidade revelou ao MPSP que, sempre que um chamado técnico era aberto na UBS, um município enviava um técnico homem para prestar esse serviço, e que Maria Selma nunca foi vista no local.
Quando os promotores foram pessoalmente à UBS apurar o caso, funcionários afirmaram não conhecer a jovem. Jorge, pai da menina, estava no local. Ele disse que a filha apenas realizava a “digitação e digitalização de documentos” e que “estava na casa de uma amiga”, em horário comercial, e “logo voltava”.
Em depoimento ao MPSP, pai e filha confirmaram as irregularidades e apontaram a participação do prefeito e da vice-prefeita no caso.
Prefeitura virou “cabide de emprego”
O MPSP apontou ainda que a Prefeitura de Ribeira se tornou um verdadeiro “cabide de emprego” durante a gestão Ari.
Segundo a denúncia, o prefeito “adotou como prática habitual e reiterada de sua gestão a contratação direta e informal de agentes públicos, sem prévio concurso público nem licitação, de modo a transformar o Poder Executivo municipal em um grande cabide de empregos, a fim de acomodar seus aliados, angariar simpatizantes, auferir dividendos políticos e eleitorais, e fomentar a permanência do seu grupo político no poder”.
As contratações, feitas sem licitação, ocorreram tanto de forma eventual e permanente, e consumiram porcentagens alarmantes do orçamento anual da cidade de pouco mais de três mil habitantes.
Nos sete primeiros meses deste ano, o MPSP localizou 2.970 pagamentos, ultrapassando R$ 7,5 milhões de reais – 47,45% das receitas anuais previstas. Entre 2021 – quando Ari assumiu a prefeitura – e 2024, todas essas contratações superaram pelo menos 80,25% do orçamento de todo o ano.
As funções supostamente desempenhadas pelos contratados variam bastante. Em fevereiro deste ano, por exemplo, um homem foi contratado por R$ 1.360 para confeccionar cinco capas de colchões, quatro travesseiros e dois apoios de cadeira.
Para o MPSP, ao criar este “cabide de empregos”, Ari visava “acomodar seus aliados, angariar simpatizantes, auferir dividendos políticos e eleitorais, e fomentar a permanência do seu grupo político no poder”.
Prefeito revogou concurso para contratar secretário
Em outra irregularidade, Ari revogou o resultado de um concurso público promovido pelo município para o cargo de engenheiro civil e nomeou seu aliado político e secretário municipal de Obras, Alan Fogaça da Costa, para a função.
O homem que foi aprovado em primeiro lugar entrou com uma ação na Justiça contra o ato do prefeito. A ação mostra que Alan sequer atingiu a nota mínima para seguir no certame.
Em 30 de julho, a Justiça determinou que o prefeito proceda a imediata nomeação do candidato que ficou em primeiro lugar no cargo pretendido.
“Todo esse contexto apurado nos autos revela, de maneira clara e contundente, que o prefeito Ari do Carmo Santos adotou como prática habitual e reiterada de sua gestão a contratação direta e informal de agentes públicos, em total desrespeito às regras do concurso público e da licitação, de modo a transformar o Poder Executivo municipal em um grande cabide de empregos, a fim de acomodar seus aliados, angariar simpatizantes, auferir dividendos políticos e eleitorais, e fomentar a permanência do seu grupo político no poder”, afirma o MPSP.
Em 1º de agosto, a promotoria solicitou a perda da função pública do prefeito e da vice-prefeita, bem como o pagamento de valores desviados dos cofres públicos para pagamento de funcionário fantasma e multa. A Justiça ainda deve apreciar os pedidos para uma decisão definitiva.
Defesa de envolvidos em “amarração” nega acusações
Nas redes sociais, a vice-prefeita afirmou, em 16 de julho, que é alvo de uma “campanha articulada com o claro objetivo de manchar sua imagem pessoal e política, utilizando-se de falsas acusações e narrativas distorcidas que em nada condizem com a verdade dos fatos”. Ela diz que Samantha tem “propagado inverdades com a intenção clara de extorqui-la financeiramente”, o que teria sido endossado por advogados.
Juliana diz que todas as medidas judiciais já foram tomadas. “Juliana Teixeira segue com a consciência limpa, respaldada por sua trajetória de honestidade, seriedade e compromisso com o povo de Ribeira. Aqueles que pensam que podem destruir reputações por meio de mentiras e ameaças enfrentarão todas as consequências legais”, finaliza.
Em nota, o advogado da mulher negou as acusações e disse que aguarda o recebimento da citação para apresentar as suas defesas, tanto nas ações de improbidade administrativa, quanto nas ações penais. “No prazo legal apresentará pedido ao TJ SP, a fim de buscar a reforma da decisão de afastamento de suas funções”, encerra o texto.
O advogado Yuri Amaral Nazareth, que representa a política e William Felipe, dono da W. F. Da Silva Treinamentos LTDA., disse que o homem está disposto a cooperar com as autoridades, ao comparecer à promotoria para apresentar sua versão dos acontecimentos. “Essa atitude demonstra seu compromisso com a verdade e sua intenção de esclarecer qualquer mal-entendido”, disse o defensor.
Nazareth afirmou também que as acusações contra Juliana ainda estão sendo investigadas, e que ela tem manifestado sua intenção de colaborar com as investigações para que todos os fatos sejam devidamente esclarecidos. “Sobre os vínculos mencionados com os demais requeridos, é importante ressaltar que relações profissionais passadas, como a de Lauro ter trabalhado na WF e Juliana ter sido conhecida de William Felipe, são naturais no contexto de qualquer organização e não devem ser vistas como indícios de irregularidades”, apontou.
O advogado destacou ainda a “instrumentalização da justiça pela oposição política e a pirofagia das redes sociais, que têm amplificado as acusações de maneira desproporcional, sem considerar o princípio da presunção de inocência”. Segundo ele, é essencial que as investigações sigam seu curso legal, sem influências externas que possam desvirtuar a busca pela verdade.
“Por fim, Juliana Teixeira e William Felipe reafirmam seu compromisso com a ética e a legalidade em todas as suas operações, buscando sempre aprimorar seus processos e contribuir positivamente para as comunidades onde atuam. Eles esperam que a justiça prevaleça e que todas as partes envolvidas ajam com responsabilidade e integridade”, finaliza a nota.
A defesa de Lauro Olegário da Silva Filho não foi localizada. O espaço segue aberto.
Metrópoles