O 7 de Setembro, tradicionalmente marcado por desfiles cívico-militares e exaltação à Independência, voltou a ser dominado pela disputa política. Desde os tempos do ex-presidente Jair Bolsonaro, a data deixou de ser apenas um marco cívico e passou a funcionar como arena simbólica da polarização. Em 2025, o embate se repete: de um lado, o governo Lula e o PT buscam mobilizar atos em diversas cidades com a marca da “soberania nacional”; de outro, os bolsonaristas pretendem transformar o verde e amarelo em bandeira de protesto e reivindicação de anistia.
A estratégia petista aposta na capilaridade. O partido, em articulação com movimentos sociais e organizações religiosas, programou atos em dezenas de cidades dentro da 31ª edição do Grito dos Excluídos. A lista parcial inclui capitais como São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza e Brasília, além de municípios médios e pequenos. O mote oficial, “Brasil Soberano”, reforça a tentativa de associar patriotismo à defesa da democracia, da justiça social e da soberania nacional. Na prática, os eventos funcionam como vitrines políticas para o presidente Lula em ano pré-eleitoral, ainda que sob roupagem cívica e institucional.
No campo oposto, o bolsonarismo prepara mobilizações de rua em tom abertamente oposicionista. Militantes prometem marchar vestidos de verde e amarelo, exigindo anistia a Jair Bolsonaro e aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, além de pedir a saída de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O movimento investe no poder dos símbolos pátrios para reforçar a narrativa de que representa o “povo verdadeiro” contra as instituições.
Para o cientista político Márcio Coimbra, a data se consolidou como um “comício eleitoral simbólico” disputado por dois projetos de poder. “Assistimos a um processo de instrumentalização da data por dois polos antagônicos. O que era um marco de unidade nacional cívica transformou-se na principal arena de disputa narrativa da polarização brasileira”, afirmou.
O cientista político Magno Karl, diretor-executivo do movimento Livre, também avalia que a independência deixou de ser um momento de celebração cívica para se tornar espaço de confrontação. “Desde a redemocratização, é a primeira vez que temos uma força política eleitoral relevante que se beneficia da utilização dos símbolos nacionais. O bolsonarismo fez disso um pilar central de mobilização, e o governo tenta apenas equilibrar o jogo. Mas a identificação do 7 de Setembro com a direita é muito mais forte”, disse.
Karl lembra que a esquerda também recorre ao nacionalismo, mas de maneira distinta. “O nacionalismo da esquerda é essencialmente econômico, está no discurso contra a dominação estrangeira e na defesa de empresas brasileiras. Brizola usava a bandeira e o hino em campanhas, mas numa escala incomparável à apropriação feita pela direita hoje. A diferença é que o bolsonarismo encampou os símbolos com muito mais competência”, avaliou.
Esse processo, segundo ele, gera uma “contaminação simbólica”. “Quando a bandeira ou o 7 de Setembro passam a ser vistos como símbolos de um grupo político, deixam de representar todos. Isso enfraquece a identidade coletiva do país. A camisa da seleção, por exemplo, era orgulho nacional e virou sinalização ideológica. Para parte da população, hoje, vestir verde e amarelo é declarar apoio a uma corrente política específica”, apontou.
O cientista político ressalta que não há ineditismo absoluto nesse tipo de apropriação. Regimes autoritários em diferentes países, inclusive no Brasil durante a ditadura militar, sempre instrumentalizaram datas nacionais. A novidade está na intensidade e na persistência após quatro décadas de democracia. “O 7 de Setembro já está contaminado. É muito difícil pensar na data apenas como ocasião para assistir ao desfile militar. Talvez demoremos muito tempo para resgatar seu sentido original”, disse Karl.
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