A agenda política tocada por governadores de direita após a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tem irritado o “núcleo raiz” do bolsonarismo.
Aliados veem a postagem feita pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro (PL), e repostada pelo irmão Eduardo Bolsonaro (PL), em que chama os “governadores democráticos” de “ratos” e “cúmplices covardes”, como uma reação do clã Bolsonaro a declarações de teor eleitoral de nomes como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afilhado político do ex-presidente, e ao lançamento oficial da pré-candidatura do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), à Presidência da República, no fim de semana.
“Você acha que essa é a hora de alguém se lançar candidato quando um ex-presidente, sem culpa de crime nenhum, está em prisão domiciliar? É hora de alguém arvorar alguma coisa? Por isso que o filho de Bolsonaro, com muita razão, se posicionou. Eu concordo com ele em gênero, número e grau”, afirmou o pastor Silas Malafaia.
Para o líder religioso, principal organizador dos últimos atos a favor de Bolsonaro, os presidenciáveis de direita, que precisam do eleitorado bolsonarista para serem competitivos em 2026, são omissos em relação a “tudo que está acontecendo no Brasil”.
“Ele [Carlos] está indignado porque está vendo o pai dele definhando, doente, e não tem uma reação veemente, dura, justa e verdadeira contra Alexandre de Moraes”, disse o pastor, que é crítico ferrenho do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) encarregado dos processos que envolvem os bolsonaristas.
A mando do ministro do STF, Bolsonaro está em prisão domiciliar desde 4 de agosto. Ele é réu no processo que apura suposta tentativa de golpe de Estado pelo ex-presidente e aliados. O julgamento está marcado para setembro.
Agendas políticas
Na última quarta-feira (13/8), um evento sobre agronegócio realizado pelo banco BTG Pactual em São Paulo virou palco para governadores de direita cotados como presidenciáveis criticarem duramente o governo do PT e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Além do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que afirmou que o “Brasil não aguenta mais o Lula” e o PT, os governadores de Goiás, Ronaldo Caiado (União), e do Paraná, Ratinho Jr. (PSD), fizeram duros ataques à gestão petista em seus discursos.
No evento, os palestrantes se colocaram como a “nova safra” de políticos e usaram os feitos de suas gestões nos estados como exemplo de que eles teriam condições de comandar o país. Tarcísio chegou a dizer que ele e outros governadores de direita possuem o “receituário” para resolver o problema fiscal e também “moral” no país. O nome de Bolsonaro, no entanto, não foi mencionado. Da mesma forma, nenhum deles criticou Alexandre de Moraes.
Após a prisão preventiva de Bolsonaro e o tarifaço aplicado pelos EUA contra produtos brasileiros, Tarcísio intensificou as agendas com representantes do mercado financeiro. Além do evento do BTG, ele se reuniu no último sábado (16/8) com empresários em um almoço organizado pelo executivo do Bank of America, Alexandre Bettamio, em sua casa, na Fazenda da Boa Vista, em Porto Feliz, a 107 quilômetros da capital paulista.
No dia 11 de agosto, o presidente do Goldman Sachs, John Waldron, foi ao Palácio dos Bandeirantes para se reunir com o governador. No dia seguinte, Tarcísio também se encontrou, fora da agenda, com empresários de diferentes ramos na casa do cantor Latino. Segundo o empresário do artista, o encontro serviu para falar sobre a “atual situação política e econômica do país”. Já nesta segunda-feira (18/8), o governador paulista palestrou em painel promovido pela empresa Warren Investimentos.
O lançamento da pré-candidatura à Presidência do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), também desagradou o entorno do ex-presidente. O ato realizado no sábado (16/8), em um espaço de eventos na zona sul de São Paulo, foi dominado por críticas ao PT e também a Alexandre de Moraes, porém sem menções diretas a Bolsonaro.
“Acho que o Zema errou ao lançar candidatura na semana em que o julgamento de Bolsonaro no STF é marcado”, afirmou um interlocutor da família Bolsonaro. Na última semana, o presidente da Primeira Turma da Corte, Cristiano Zanin, marcou o início do julgamento para o dia 2 de setembro.
“Eleição sem Bolsonaro é golpe”
Aliados do clã Bolsonaro reclamam que os postulantes não estejam colocando a anistia aos envolvidos no 8 de janeiro de 2023 no centro de seus discursos, evitando críticas diretas a Alexandre Moraes, ministro relator da trama golpista no STF e principal algoz do ex-presidente. Uma das principais pautas do grupo mais radical ligado a Bolsonaro é o impeachment de Moraes.
Na visão dessa ala, em vez de se colocarem como candidatos ao Palácio do Planalto, os governadores deveriam insistir na tese de que a “eleição sem Bolsonaro é golpe”.
Embora Tarcísio já tenha feito críticas públicas ao processo contra o ex-presidente e à adoção das medidas cautelares, como o uso de tornozeleira e, depois, a prisão preventiva, parte dos bolsonaristas avalia que o governador paulista não faz críticas diretas a Moraes e que seu discurso de pacificação, na verdade, significa “submissão ao sistema”.
Aliados da família Bolsonaro ainda avaliam que a prisão preventiva e a impossibilidade de o ex-presidente se comunicar com correligionários atrapalham as articulações do grupo, que tem ficado sem uma orientação clara sobre as estratégias que devem ser adotadas visando as eleições do ano que vem.
“Estão, literalmente, enterrando vivo nosso presidente. O outro [Lula] estava condenado, tiraram da cadeia e colocaram no jogo. O nosso nem condenação possui e estão atropelando e enterrando vivo”, disse o vice-prefeito de São Paulo, coronel Mello Araújo, afilhado político e interlocutor do ex-presidente. Mello visitará Bolsonaro na prisão domiciliar, na próxima terça-feira (19/8).
Críticas de Carlos e Eduardo
- No domingo (17/8), sem citar nomes, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PL) postou um texto na rede social X, que foi compartilhado por seu irmão Eduardo Bolsonaro (PL), com fortes críticas ao que classificou como os “chamados ‘governadores democráticos’”, a quem comparou a ratos.
- O post de Carlos ocorreu um dia após o lançamento da candidatura de Zema.
- Não é a primeira vez que a família Bolsonaro ataca possíveis herdeiros do espólio do patriarca. Tarcísio também já foi atacado por tentar negociar contra o tarifaço, enquanto Eduardo tenta usar a pressão norte-americana para conseguir anistia para seu pai. Desta vez, o tom foi parecido.
- “A verdade é dura: todos vocês se comportam como ratos, sacrificam o povo pelo poder e não são em nada diferentes dos petistas que dizem combater. Limitam-se a gritar “fora PT”, mas não entregam liderança, não representam o coração do povo. Querem apenas herdar o espólio de Bolsonaro, se encostando nele de forma vergonhosa e patética”, escreveu Carlos.
- Carlos descreveu seu pai como “preso, doente e sendo lentamente assassinado a cada dia que passa”, enquanto os governadores, “não colocam, de forma espontânea, a destruição dos direitos humanos em pauta que transformam o Brasil numa Venezuela cristalinamente”
- Segundo ele, esses líderes estariam preocupados apenas “com seus projetos pessoais e com o que o mercado manda”.
- Carlos definiu a postura como “desumana, suja, oportunista e canalha”, acusando-os de fingirem que vão resolver algo, mas se esconderem “atrás da prudência e sofisticação técnica”.
- O vereador ainda os chama de “cúmplices covardes”.
Metrópoles