A proposta de anistia para os condenados pelos atos de 8 de janeiro, considerada uma prioridade para a oposição e para o ex-presidente Jair Bolsonaro, não possui, no momento, apoio suficiente para ser aprovada na Câmara dos Deputados. Essa é a percepção tanto de aliados do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), quanto de parlamentares da própria oposição, que admitem a fragilidade do projeto diante do cenário atual. A apuração é dos jornalistas Elisa Clavery, Marina Franceschini e Filipe Matoso, da Globo News.
De acordo com reportagem deles, nos bastidores, interlocutores de Motta reconhecem que, se a proposta fosse levada ao plenário hoje, dificilmente passaria. “Não há dúvidas de que, caso o projeto seja pautado agora, será derrotado”, afirmou um aliado do parlamentar sob condição de anonimato. Integrantes do Partido Liberal (PL), legenda de Bolsonaro, também evitam pressionar pela votação imediata, cientes da falta de consenso dentro da própria base.
O líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), revelou que ainda está sondando outros líderes partidários sobre o tema e avalia que a recente denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro pode fortalecer a proposta. Ele também criticou a atuação do ministro Alexandre de Moraes no acordo de delação premiada do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, afirmando que isso impulsiona as articulações pela anistia.
Estratégia legislativa e resistência no Senado
Apesar de minimizar a gravidade dos atos de 8 de janeiro, Hugo Motta tem adotado uma postura cautelosa e não pretende pautar a proposta sem ampla adesão das lideranças partidárias. No Senado, o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), evitou aprofundar o debate e declarou que o tema “não é uma prioridade para os brasileiros”. Parlamentares do Centrão interpretam sua fala como uma tentativa estratégica de postergar qualquer deliberação até que a Câmara se posicione de forma mais clara.
Atualmente, o projeto segue parado em uma comissão especial da Câmara, que sequer foi instalada. Além da ausência de apoio popular, há um receio generalizado de que o avanço da proposta provoque um desgaste político e institucional com o Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda deve deliberar sobre o futuro das emendas parlamentares.
Alternativas e flexibilização da proposta
Diante do impasse, setores da oposição já discutem um possível “plano B”, buscando uma versão mais branda do projeto. Uma das sugestões em análise prevê a exclusão da anistia para crimes como dano qualificado e destruição de patrimônio tombado. O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) anunciou que pretende apresentar uma proposta alternativa, diferenciando os manifestantes de possíveis articuladores de atos golpistas.
“Acredito ser necessário separar aqueles que participaram materialmente dos ataques daqueles que tiveram um papel mais decisivo na organização”, explicou Vieira. Alguns parlamentares defendem que essa abordagem permitiria uma dosimetria de pena mais justa para os envolvidos.
Governo considera projeto inviável
Para líderes governistas, a denúncia da PGR contra Bolsonaro enfraquece ainda mais a possibilidade de anistia. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), rejeitou a tese de perdão aos envolvidos. “Não estamos falando de um regime de exceção como em 1964. Estamos em plena democracia, e quem tentou golpe deve ser julgado”, afirmou.
Na mesma linha, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), acredita que o projeto está “enterrado”. “Se há pedido de anistia, há o reconhecimento de um crime cometido contra a democracia”, declarou.
O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) também rechaçou a possibilidade de votação. “Seria um escândalo. Esse projeto não tem condições de ser levado adiante. A oposição insiste nesse tema e, no fim, acaba favorecendo o governo”, criticou. Deputados alinhados à esquerda avaliam que, diante da conjuntura, não há ambiente político para aprovar a anistia.
Inelegibilidade de Bolsonaro ainda é obstáculo
Apesar dos esforços da oposição para aprovar a anistia, o projeto não afetaria a inelegibilidade de Jair Bolsonaro, determinada pela Justiça Eleitoral em 2023 devido ao abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. A condenação o impede de disputar eleições até 2030. No entanto, o PL já estuda alternativas legislativas para modificar a Lei da Ficha Limpa e reduzir o prazo de inelegibilidade para condenados pela Justiça Eleitoral.
“Temos caminhos jurídicos antes de uma ação política”, afirmou Sóstenes Cavalcante, reforçando que a oposição segue buscando estratégias para viabilizar a participação de Bolsonaro no pleito de 2026. Contudo, diante das dificuldades atuais, qualquer movimentação nesse sentido ainda enfrenta um longo caminho dentro do Congresso.
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