O ministro Marcelo Queiroga Foto: CRISTIANO MARIZ / Agência O Globo
BRASÍLIA — No gabinete do ministro da Saúde, dois retratos chamam a atenção: de um lado da sala, está um quadro de Carlos Chagas, um dos pesquisadores mais renomados do Brasil, e do outro, uma foto de Jair Bolsonaro dando um abraço em Marcelo Queiroga. A decoração ilustra como o cardiologista paraibano tenta conviver com lados opostos, entre cientistas que referendam a vacina e o presidente que defende medicamentos cuja ineficácia está comprovada. Ao se equilibrar entre um grupo e outro, Queiroga permanece sentado numa cadeira espinhosa há mais de dez meses, superando a gestão do general Eduardo Pazuello. O seu desejo, segundo ele, é entrar para a história como o “homem que acabou com a pandemia da Covid-19”. No Brasil, mais de 626 mil pessoas morreram infectadas pelo coronavírus.
Em entrevista ao GLOBO, o quarto ministro da Saúde do governo Bolsonaro reafirma a ineficácia da hidroxocloroquina para a Covid-19, um tema que semeia discórdia na pasta, e projeta o pico de casos da variante Ômicron nas próximas três semanas, mas minimiza a chance de o país reviver um colapso do sistema. Queiroga ainda diz que há estudos em andamento sobre a possibilidade de incluir a aplicação da quarta dose e a vacinação infantil no Programa Nacional de Imunizações (PNI). A seguir, os principais trechos da entrevista.
O senhor completará em março um ano à frente do Ministério da Saúde. Qual foi o momento mais difícil em sua gestão?
Eu diria que o pico da variante Gama, com 4.000 pessoas falecendo por dia. Isso é algo que, para nós, como médicos, lamentamos profundamente todos os óbitos, mais de 600 mil, uma emergência sanitária de importância internacional. Agora, particularmente, foi muito difícil para mim quando tivemos a notícia de uma perda de uma gestante. O Brasil colocou as gestantes de maneira pioneira na campanha nacional de imunização política de vacinação.
Houve algum momento em que o senhor pensou em desistir?
Não, nunca pensei. Nesta semana, eu fui falar com o Ciro (Nogueira, ministro da Casa Civil) e com a Flávia (Arruda, ministra da Secretaria de Governo). Encontrei com o Gilson (Machado Neto, ministro do Turismo), desci para o 3º andar e fui almoçar com o presidente. A notícia: o presidente chama o ministro da Saúde no Planalto. Naturalmente, fui almoçar com o presidente, porque o almoço de lá é melhor que no Ministério da Saúde (risos). O ministro tem que confiar na sua liderança. A liderança é o presidente da República, Jair Bolsonaro. Quem faz o ministro forte é a confiança que o presidente tem nele. Desde o começo, o presidente sempre me apoiou. A questão política é ele que decide, porque ele é o chefe do governo. A minha função é de subsidiar com dados técnicos para que ele tome as melhores decisões.
O presidente tem lançado dúvidas sobre a eficácia da vacina. Isso atrapalha o plano de imunização?
O presidente tem uma natureza questionadora. Não atrapalha em nada. Ele colocou R$ 33 bilhões para comprar vacinas. A mim mesmo nunca fez nenhum tipo de movimento de resistência à vacina. O presidente tem uma leitura política. Eu tenho uma leitura de política de saúde. Atuamos absolutamente alinhados. O presidente Bolsonaro já sabe qual é a nossa posição. Dos requisitos que ele colocou para mim foi: “Queiroga, eu acho que a vacina não deve ser obrigatória. Nós não podemos obrigar as pessoas a se vacinar”. Isso é um ponto de vista dele, e eu concordo.
Não seria importante o presidente se vacinar assim como outros líderes mundiais?
Isso é uma decisão do presidente, que é o forte defensor da liberdade. Talvez se não houvesse essa pressão toda em cima dele, ele já tivesse tomado uma decisão em sentido contrário. Mas o presidente Bolsonaro, a mim, me cobra diariamente a respeito do ritmo da campanha de vacinação.
O presidente Bolsonaro tem criticado vacina infantil. O senhor defende?
Sou um defensor ferrenho da vacinação. A política de vacinação infantil contra a Covid-19 foi colocada por este ministro. Agora, eu não vou obrigar nenhum pai a vacinar o seu filho, porque eu acho que isso mais atrapalha do que ajuda.
Por que, então, o senhor não colocou na política pública a vacinação de crianças, logo após o aval da Anvisa sobre segurança e eficácia?
Tem que ser avaliar a qualidade da evidência. Tem que se discutir profundamente esse tema, que é de grande responsabilidade. A Anvisa avalia a segurança e eficácia. A política pública quem faz é o Ministério da Saúde. Veja o que existe de insumos com registro da Anvisa que não faz parte da política pública. Tenho certeza de que a consulta pública que foi feita diminuiu a resistência das pessoas à vacinação, mesmo dos que são contra, porque antes eles estavam restritos às redes sociais e foi dada a eles a oportunidade de trazer os seus argumentos, concordando eu ou não.
Mas para a vacinação de adultos não houve consulta pública…
Naquela época, eu não estava aqui no Ministério da Saúde. Aliás, comigo vai haver mais consultas públicas aqui. Uma determinada comissão do Congresso disse que fez 105 audiências públicas. Quantas doses de vacina distribuiu? Zero. Eu fiz uma audiência (consulta) pública e distribuí 417 milhões. Não se pode querer uma democracia self-service. A consulta pública diminuiu a resistência à vacinação. As próprias vacinas do Programa Nacional de Imunização (PNI) são consolidadas ao longo do tempo, e a vacinação contra a Covid-19 faz parte de uma legislação emergencial.
Está em estudo pelo Ministério da Saúde incluir a vacina para crianças contra a Covid-19 no Programa Nacional de Imunizações (PNI)?
Claro que está. Se for necessário e se chegarmos à conclusão de que se deve vacinar as crianças todos os anos, não há dúvida (de que será incluída).
Desde quando assumiu o cargo, o senhor diz que há comprovação científica da ineficácia da hidroxicloroquina para a Covid-19. O senhor vai anular a decisão do secretário da pasta, Hélio Angotti, que rejeitou o protocolo contra o kit Covid?
O senhor mantém a posição sobre a ineficácia da cloroquina?
Falei várias vezes. Não é o problema hoje da pandemia. A gente tem que sair dessas questões que não mudam nada para o enfrentamento efetivo. Se tivesse que escolher uma coisa só? Vacina. Para que vou ficar discutindo questões que não são fundamentais? Neste momento, o que temos é o aumento do número de casos pela variante Ômicron, que tem uma transmissibilidade muito grande. A prioridade, hoje, é avançar na segunda e terceira doses, a dose de reforço. Temos que saber quais são as brigas que nós devemos comprar.
Teremos a quarta dose?
Quando a gente fala em quarta dose, passa a ideia de que as vacinas não são efetivas. “Ah, todo ano vamos precisar nos vacinar contra a Covid-19?”. Sinceramente, não sei. É possível que sim. Vamos acabar com a pandemia, mas com a doença, não. Às vezes, o vírus perde a força, então, pode ser que tenhamos que vacinar somente grupos específicos, como idosos e crianças. Isso precisa ser conhecido ao longo do tempo. O grupo técnico da Secovid (Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19) já estuda isso, provavelmente vamos aplicar as vacinas seguindo aquela mesma sequência: idosos, profissionais de saúde…
Já há algum indício de autoria dos ataques hackers ao sistema da Saúde?
Essas questões são com a Polícia Federal. Eu não estou acompanhando essas investigações, porque a minha atenção principal é a pandemia. O que me deixa mais apavorado é a possibilidade de uma pressão sobre o sistema de saúde e nós não termos leitos para atender a população, sobretudo uma doença que causa Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).
Há essa possibilidade?
No Rio de Janeiro, parece que já está havendo uma queda nos casos. São Paulo, idem. Na região Norte, que me preocupa, também há estados onde já estão caindo os casos. O sistema de saúde, desde a primeira onda até esta terceira, se fortaleceu. Então, hoje, a probabilidade de ter um colapso do sistema de saúde é menor. Não só em relação a leitos. A nossa expectativa é que, nas próximas três semanas, tenhamos o pico, mas tem estados que já estão diminuindo.
O senhor se arrepende da forma como respondeu a manifestantes em Nova York, fazendo um gesto obsceno?
Não me arrependo do que faço. Mas, na época, me lembrei do evangelho: aqueles que não têm pecado que atire a primeira pedra. Naturalmente que a nossa natureza humana é suscetível a falhas e acertos. Eu já acertei muito e errei. Sempre que posso, não gosto de ficar persistindo nos mesmos erros.
O senhor avalia sair candidato nas eleições deste ano?
Sou candidato a cumprir o meu compromisso com o presidente Bolsonaro: apoiá-lo no seu projeto em relação ao povo do Brasil. O meu objetivo é trabalhar com ele aqui na saúde pública. Tenho 56 anos. Até hoje, eu só fui candidato das sociedades científicas que presidi e acho que cumpri o meu papel. Na vida político-partidária, eu nunca participei. Sou muito consciente do meu dever. Primeiro como brasileiro. Depois, como médico.
O senhor disse recentemente que a história irá julgá-lo como ministro. Como acha que a história vai te definir?
Eu quero que (a história) me defina como o homem que acabou com a pandemia da Covid-19. Tanto que eu coloquei aqui o Carlos Chagas. Quem veio descerrar esse quadro, que é um quadro histórico, do acervo da Fundação Oswaldo Cruz, foi o presidente Bolsonaro. Ele ajudou o Brasil a vencer a pandemia lá do século atrás, né? Admiro muito o Carlos Chagas. Não que eu seja nem um décimo do que ele foi. Deveria ter recebido o Prêmio Nobel de Medicina pelas pesquisas em relação à doença de Chagas. Então eu quero ser lembrado dessa forma.
Fonte: Uol
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